Sam Altman, CEO da OpenAI: “Ainda estamos nos estágios iniciais da revolução”

A inteligência artificial (IA) é sonho humano de décadas, presente na boa literatura de ficção científica e em filmes de Hollywood. Em 2022, contudo — outro dia, portanto —, deu-se uma explosão cujos ecos ainda são ouvidos: o lançamento do ChatGPT por uma tímida empresa do Vale do Silício, a OpenAI. Não demorou para que o robô de IA crescesse em popularidade, quase sinônimo de uma era, e seu criador, Sam Altman, virasse um dos grandes nomes da tecnologia de nosso tempo, uma espécie de Steve Jobs da IA. A companhia cresceu, apareceu e, é claro, está no olho do furacão da economia global, mas também no palco de discussões éticas em torno dos direitos autorais das informações que alimentam os sistemas de IA. Altman, de 40 anos, ganhou seu primeiro computador aos 8. Em 2005, aos 19, fundou uma start­up de geolocalização, e o resto é história. Envolto com as dificuldades de infraestrutura para fazer andar o Chat­GPT, ele falou a VEJA, por videoconferência, de São Francisco, onde mora com o marido, o engenheiro Oliver Mulherin. A seguir, os trechos da entrevista exclusiva.

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O senhor, que está no centro da atual revolução tecnológica, no olho do furacão, será um dia substituído na OpenAI por um robô de inteligência artificial (IA)? Espero que sim. Ficaria feliz em ver que a IA desenhou um CEO melhor do que eu sou. Em breve, é o que acontecerá, não há dúvida.

O que faria com tanto tempo livre a seu dispor, com uma máquina capaz de realizar as tarefas corporativas? Puxa, há tantas coisas que eu poderia fazer… Tenho interesse em muitas atividades. A IA tende a nos libertar para esse “espaço em branco”, o tempo de ociosidade, que é fundamental e mal podemos imaginar como será.

Usa a IA no cotidiano? Claro, especialmente o ChatGPT, mas provavelmente deveria usar outros chat­bots, que também devem ser bons.

O que faz no cotidiano, em suas interações com o ChatGPT? Deixa ver aqui o que consultei recentemente (busca no computador). Ontem à noite, por exemplo, estava muito interessado em algo chamado space dome (uma cúpula usada para projeções em 360 graus, quase sempre imersivas, como a da Expo 2020, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, segundo o ChatGPT). Planejei também minhas férias. Estava atrás ainda de informações sobre aceleradores de partículas e um carro novo, porque penso em trocar o meu. Tudo isso em poucas horas.

Para atividades comezinhas, em busca de conhecimento, portanto, a IA parece ser prática e decisiva. Mas como funcionará no futuro breve? Há uma lacuna enorme entre o que os modelos já são capazes de oferecer e o uso pelas pessoas. Robôs como o ChatGPT pensam, sim, como profissionais de diversas áreas, resolvem problemas difíceis de matemática e montam programas de computação sofisticados…

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“Temos mais de 50 milhões de usuários no Brasil, e o número não para de crescer. É um dos mercados ao redor do mundo onde as pessoas realmente se inclinaram para a IA”

E o que falta para darem o grande salto? É incrível, mas há uma estrada imensa de crescimento. Ainda não descobrimos, é verdade, as infinitas possibilidades de produtos que podem ser criados com a IA — e que vão muito além de ferramentas como o ChatGPT. Ainda estamos nos estágios iniciais da revolução.

E quais são as dificuldades para o avanço mais imediato? A infraestrutura por trás da IA, com os data centers, é um obstáculo crucial. Por isso trabalhamos com parcerias, como a que costuramos com a Amazon, dias atrás. As pessoas, a rigor, querem usar muito mais IA do que são capazes de usar hoje. À medida que os modelos se tornarem mais inteligentes e também à medida que construirmos esses sistemas para permitir um uso maior, a demanda será astronomicamente grande, mas, agora, não podemos atendê-la.

Não é segredo que existem estimativas de que a Open AI tem 13 bilhões de dólares em receitas anuais e 1 trilhão de dólares em compromissos futuros de infraestrutura. O que fazer para equilibrar a balança? Honestamente? Aumentar a receita. Tivemos sorte em poder crescer muito rapidamente, e planejamos continuar fazendo isso. Passo boa parte de meu tempo pensando de onde virá esse crescimento. Mas agora que contratamos Fidji Simo, a CEO de aplicativos, ela está fazendo um trabalho magnífico que libera meu tempo para trabalhar em infraestrutura e outras necessidades.

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Um dos planos é usar 25 bilhões de dólares para a construção de data centers na Argentina. Por que não no Brasil? O Brasil é um país muito interessante para data centers, em muitos aspectos. Ficaríamos entusiasmados em montá-los. Mas surgiu a oportunidade de fazê-los rapidamente na Argentina, e apenas decidimos aproveitá-la. Mas ficaríamos encantados em ir para o Brasil, claro.

O Brasil, enfim, está nos objetivos da OpenAI? É um mercado extremamente relevante para nós. Temos mais de 50 milhões de usuários brasileiros, e o número não para de crescer. É um dos mercados ao redor do mundo onde as pessoas realmente se inclinaram para a IA, tornando-a parte de sua vida diária, seus negócios e tudo mais. Obviamente, há muitas coisas que o Brasil ainda precisa acertar para ser uma das potências de IA no mundo, mas acho que ele tem o ingrediente mais decisivo, que é uma tonelada de pessoas que a usam e estão usando para construir coisas incríveis.

E qual é o próximo passo? Como eu disse e reafirmo, planejamos continuar investindo bastante. Estou animado porque estamos abrindo um escritório em São Paulo. Queremos continuar trabalhando com o Brasil para torná-lo um centro cada vez mais relevante.

Estamos à beira da COP30. Há preocupação em alinhar a expansão da infraestrutura em torno da IA com o zelo ambiental, atento especialmente ao uso consciente de energia? Sim, e penso muito nisso. A energia será o limitador de longo prazo da quantidade de IA que podemos ter no mundo. Minha crença pessoal é que as matrizes nuclear e solar acabarão sendo as duas fontes de energia dominantes. E são, eu acho, ótimas, seguras, ambientalmente amigáveis e podem ser muito baratas. Então é para lá que eu espero que as coisas caminhem.

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Há hoje uma concorrência intensa entre as empresas de tecnologia envolvendo IA. Concorrência sempre é saudável, e é bom que assim seja, mas há alguma virulência. Aonde chegaremos? A concorrência leva a produtos melhores e mais baratos na maioria das vezes, e muito provavelmente é o que teremos em torno da IA. Nós mesmos temos sempre melhorado o ChatGPT a cada nova versão, incluindo recursos e instrumentos de segurança.

A IA representa uma nova era da internet, e adeus ao que conhecemos até agora? Não acho que seja o fim da internet como a conhecemos, de forma alguma. A internet é extremamente durável e massiva. Mas, sim, haverá uma transformação fundamental, com agentes de IA trabalhando por nós. Mas não será, insisto, o fim da internet.

“Talvez o melhor médico do mundo seja melhor do que o ChatGPT. Mas, se não há opção, se não dá para pagar por um médico, especialmente em regiões pobres, será muito melhor do que nada”

A internet é um lugar democrático e, em muitos aspectos, anárquico. É adequado estabelecer algum tipo de regulamentação? Precisamos de um arcabouço equilibrado. É vital ter proteções de uso, tanto para os consumidores quanto para as empresas. Haverá decisões erradas, até que cheguemos a bom ponto.

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Quais serão, enfim, os próximos passos dessa revolução? Serão muitos, é difícil prever. Um dos mais notáveis será a capacidade de ter um modelo de IA rodando o tempo todo. Fazendo tarefas de todos os tipos, pensando por você, fazendo, olhando as informações recebidas, lendo as notícias do mundo, o que for, e o ajudando constantemente, de maneira sempre ativa, a ser melhor e melhor.

Nos últimos meses, diversas empresas de jornalismo entraram com processos contra a OpenAI, alegando uso indevido do conteúdo para treinar os modelos de linguagem. As reclamações são justas? As pessoas devem poder debater e protestar sobre o que quiserem. Acho justo. Só não tenho certeza se é inteligente. Em algumas indústrias, é esperado que a IA substitua as pessoas que trabalham nelas. Não espero isso para o jornalismo.

Espera que ocorra o quê, então? No jornalismo, as pessoas realmente querem uma conexão com quem está escrevendo a história. Elas querem saber se há um ser humano com julgamento humano, talvez alguém em cujo julgamento eles decidiram confiar. Eu esperaria que, em um mundo com uma tonelada de conteúdo gerado por IA, o valor de um bom jornalista aumentasse, e a conexão que as pessoas têm, o valor que elas atribuem a isso, aumentasse. Esse me parece ser o bom caminho ao lidar com informações.

Outra área em que há muito ruído é a da saúde, especialmente a das terapias mentais. A IA pode ser um bom psicólogo ou psicanalista? Pensemos de modo mais amplo. Um ótimo especialista em quimioterapia contra qualquer tipo de câncer é obviamente melhor que um chatbot. Mas, veja bem, nem todo mundo que quer um terapeuta consegue um ou pode pagar por um, ou talvez não haja o suficiente no mundo, ou talvez não haja bons o suficiente no mundo — então talvez seja muito melhor do que nada. Talvez o melhor médico do mundo seja muito melhor do que o ChatGPT. Mas, se não há alternativa, se não é possível pagar por um médico, especialmente em regiões mais pobres, será muito melhor do que nada.

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Mas qual a responsabilidade dos robôs de IA? Trabalhamos com centenas de médicos no desenvolvimento dos recursos de medicina e saúde do ChatGPT. A ideia, agora, é que seja uma ferramenta para os clínicos usarem em suas práticas. Mas é inegável que os cidadãos se sintam atraídos pelos mecanismos de IA para cuidar do corpo e alma.

O senhor já usou? Sim, quando tive problemas de saúde em casa.

Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2025, edição nº 2969

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