O supercérebro artificial que consegue prever catástrofes climáticas

Vou começar a conversa de hoje falando de um filme pipoca muito divertido que vi outro dia, chamado Twisters. É a continuação de outro a que assistir quando moleque — o Twister, com um “s” só, obviamente hehehe —, nos anos 90.

Em ambos, cientistas perseguem tornados capazes literalmente de fazer vacas e caminhões alçarem voo, numa caça movida não pelo vício em adrenalina (ok, talvez um pouco) mas por algo mais nobre: obter informações a respeito de como esses fenômenos se formam. A premissa é conhecer mais para tentar diminuir o estrago que os ventos de altíssima potência podem causar.

Hoje, a tecnologia pode poupar parte dessa trabalheira, ainda que isso renda um filme bem menos eletrizante. Falo de uma iniciativa da Nvidia chamada Earth-2, que visa criar um “gêmeo digital” completo do nosso planeta. E a grande novidade, anunciada oficialmente no começo de junho, é a sua mais nova inteligência artificial generativa, apelidada de cBottle — abreviação para Climate in a Bottle, ou “clima na garrafa”. A ambição é justamente essa: colocar as complexas regras do clima global dentro de um sistema computacional para entendê-las e prevê-las como nunca antes.

Padrões do passado para prever o futuro

O cBottle funciona como um “supercérebro” digital, treinado com décadas de dados climáticos globais. Você deve ter lido, em alguma das muitas reportagens sobre IA que saem o tempo todo (e olha aqui mais uma), que o mundo é muito mais repetitivo do que parece. E, embora nós, humanos, não consigamos sempre perceber isso, os robôs são ÓTIMOS em fazê-lo. Eles são excelentes em detectar padrões, que servem para prever cenários, inclusive climáticos.

Indonésia: a IA cBottle aprende padrões complexos do clima e simula milhões de cenários possíveis para o futuro
Enchente na Indonésia: a IA cBottle aprende padrões complexos do clima e simula milhões de cenários possíveis para o futuro (Wokephoto17/Getty Images)
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E assim faz o cBottle, que aprende padrões complexos do clima — como a formação de tempestades, o avanço de frentes frias e o impacto de grandes massas de ar — e, a partir disso, consegue simular milhões de cenários possíveis para o futuro. Diferente dos modelos tradicionais, que podem levar dias para rodar simulações detalhadas, o cBottle faz isso com precisão em questão de minutos.

Na prática, as aplicações são imensas. Governos podem se preparar melhor para eventos extremos, desde que deem ouvidos aos alertas. O setor de seguros consegue calcular riscos com mais exatidão, enquanto agricultores ganham uma ferramenta poderosa para planejar safras e evitar perdas. Em uma escala ainda maior, o sistema permite simular os efeitos do aquecimento global, ajudando cientistas a testar estratégias para proteger populações vulneráveis e, quem sabe, nos ajudar a contornar o pior cenário.

Claro, nenhuma previsão é perfeita — o clima é um sistema caótico, sujeito a surpresas. Mas ao combinar o poder de processamento da inteligência artificial com o conhecimento acumulado da ciência do clima, o cBottle representa um salto de qualidade na nossa capacidade de antecipar e responder a desastres naturais.

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Como funciona esse supercérebro, então?

O motor do cBottle são suas redes neurais, que são sistemas inspirados no cérebro. Após “digerirem” décadas de dados climáticos, elas deixam de apenas identificar os padrões que causam um furacão e passam a ser capazes de construir ativamente cenários futuros. É essa capacidade que permitiria ao sistema calcular, em minutos, o risco de um evento específico — como uma enchente no sul do Brasil na próxima estação —, transformando um oceano de dados em uma previsão que pode salvar vidas.

Agricultura planta brotando
Imagem sem texto alternativo Aplicações: além da prevenção a catástrofes climáticas, a ferramenta pode ajudar agricultores a planejar safras e evitar perdas (FG Trade/Getty Images)

Tudo bem, mas se o cBottle consegue “imaginar” milhões de cenários, como sabemos qual deles vai de fato acontecer? A resposta está no que podemos chamar de “funil da certeza”. Pense assim: com meses de antecedência, estamos na boca larga do funil. A IA aponta uma probabilidade alta de uma temporada de secas mais intensa, por exemplo. Isso é um alerta estratégico, que serve para um governo preparar reservatórios ou para o agronegócio planejar a safra.

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Conforme o tempo passa e a IA é alimentada com dados mais recentes, o funil se estreita. As milhares de possibilidades viram centenas, e depois dezenas. Por fim, na ponta estreita do funil, horas antes do evento, o sistema alcança um grau de probabilidade altíssimo. É nesse exato momento que a projeção deixa de ser uma hipótese e permite que órgaõs de monitoramento avisem para as pessoas buscarem abrigo.

A ênfase, aqui, é na ação humana necessária depois da análise da IA. O cBottle (ou qualquer outra ferramenta) pode ajudar a antever as catástrofes. Impedir que elas aconteçam já passa a ser responsabilidade nossa.

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