Publicado em: 20 de novembro de 2025

Empresa norte-americana de ITS, referência global, aposta em expansão internacional e prevê salto de qualidade na gestão do transporte em São Paulo
ALEXANDRE PELEGI
A Clever Devices, empresa norte-americana considerada uma das principais fornecedoras mundiais de tecnologia para transporte público — com presença em grandes sistemas nos Estados Unidos, Canadá e América Latina — segue ampliando sua atuação no Brasil. Em 2023, a companhia assinou com a SPTrans o contrato para implantar o novo Sistema de Monitoramento da Gestão da Operação (SMGO), plataforma que substituirá sistemas legados e passará a integrar dados operacionais, planejamento e ferramentas de ITS (Intelligent Transportation Systems) para os ônibus da capital paulista.
O SMGO é considerado pela administração municipal um dos projetos mais estratégicos para reorganizar a operação do transporte coletivo. A ferramenta reunirá monitoramento da frota em tempo real, gestão de cumprimento de viagens, análise de desempenho, cálculo de tempos de viagem, acompanhamento da rede e apoio à tomada de decisão. O objetivo é aumentar a eficiência e a confiabilidade do sistema, oferecendo ao passageiro mais previsibilidade e informação acurada sobre intervalos, viagens e circulação.
Maurício Corte, executivo da Clever Devices, foi entrevistado no estúdio do Podcast do Transporte montado dentro da Arena ANTP 2025, evento no qual ele participou de painéis e debates sobre inovação, gestão e futuro da mobilidade urbana. Na conversa, Corte trouxe bastidores tanto do avanço do SMGO em São Paulo quanto da participação da empresa em uma licitação internacional no Chile — um dos maiores projetos de ITS hoje em andamento no continente. “É o sexto maior projeto da América Latina. Três empresas internacionais concorrem. Se ganharmos, teremos três dos maiores projetos das Américas”, afirmou.
Corte destacou que a oferta no Chile envolve um ecossistema completo — hardware, software e serviços — semelhante ao adotado em projetos conduzidos pela empresa no Brasil desde 2015. Mas, antes da tecnologia, o executivo reforça que governança de dados é o principal desafio. “A SPTrans tem décadas de informações armazenadas. Organizar, revisar e preparar essa base para integrar a nova plataforma leva tempo. É preciso preparar a casa. Sem dados estruturados, a melhor tecnologia não funciona”, explicou.
Segundo ele, governos brasileiros vêm evoluindo no processo de contratação de soluções tecnológicas — tarefa mais complexa do que comprar ônibus.
“A aquisição de frota é objetiva. Já tecnologia exige especificações sólidas, métricas, clareza de resultados. Vivemos num ambiente de narrativas, em que tudo se diz ser ‘inteligência artificial’. É preciso perguntar: que resultado concreto entrega?”, observou.
Ao ser questionado sobre o que o cidadão paulistano pode esperar para os próximos anos, Corte foi direto: o eixo central será previsibilidade. “Ela devolve ao cidadão o poder de planejar seu dia. Informação disciplinada muda comportamento. Saber quando o próximo ônibus vem altera completamente a experiência”, disse. Ele citou exemplos como a Avenida 9 de Julho, onde a falta de informação leva passageiros a embarcar no primeiro ônibus — mesmo cheio — gerando distorções no carregamento.
Para o executivo, o SMGO permitirá à SPTrans dar um salto de qualidade ao migrar do simples monitoramento para a gestão plena da operação, com planejamento mais preciso, ajustes finos na rede, análise de desempenho e redistribuição de oferta.
“Transporte público não pode continuar sendo visto como transporte de pobre. Nos países desenvolvidos, é alternativa usada por todos. Isso só acontece quando se entrega confiabilidade.”
Corte também falou sobre a importância da comunicação. Recursos como USB e ar-condicionado, embora valorizados, precisam ser apresentados ao usuário de forma correta. “Não adianta dizer ‘tem USB’. É preciso explicar: ‘você pode carregar seu celular durante a viagem’. A tecnologia só se solidifica quando o cidadão entende seu benefício”, observou, lembrando que os primeiros conectores USB em ônibus brasileiros foram danificados por mau uso. Para ele, educação e narrativa pública fazem diferença.
Durante a entrevista, Corte citou o exemplo histórico do Metrô de São Paulo, que mantinha estações impecáveis nos primeiros dias de operação, gerando orgulho e pertencimento nos passageiros. “Quando o Estado ocupa o espaço público com qualidade, o cidadão se torna parceiro do serviço”, afirmou.
Ao terminar a conversa, o executivo expressou otimismo: a combinação entre gestão, tecnologia, dados organizados e comunicação eficaz deve permitir que o transporte por ônibus em São Paulo avance para um novo patamar.
“A previsibilidade é o coração da mudança. Ela reconstrói a confiança e devolve ao cidadão o domínio sobre seu deslocamento.”
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes