Análise: Máquina de propaganda da Venezuela revida EUA com piadas e charges

É um pássaro! É um avião! É… não é o Superman?

Não, é o Super Bigode, o alter ego em desenho animado do líder venezuelano Nicolás Maduro, aqui para salvar o país sul-americano do perigo.

“Super Bigode”, exibido na TV estatal venezuelana desde 2021, é apenas uma peça do esforço de propaganda do país enquanto navios de guerra dos EUA se acumulam perto da costa venezuelana e o presidente americano Donald Trump cogita enviar tropas para depor Maduro.

Em um episódio de setembro de “Super Bigode”, exibido pouco depois de Trump iniciar sua campanha de ataques aéreos contra supostos barcos de drogas na costa venezuelana, o super-herói animado trocou seu figurino habitual por um uniforme militar, empunhando uma espada e declarando que a Venezuela não tem uma “cultura belicista”.

Ainda assim, apesar do novo visual do Super Bigode, o governo venezuelano tem enviado mensagens contraditórias desde que as tensões com os EUA aumentaram, ao mesmo tempo pedindo que os cidadãos se preparem para agir enquanto insiste que tudo está bem.

A desarmonia entre a gravidade da crise no Caribe e a comunicação do regime é visível nas ruas de Caracas.

Diferentemente de campanhas nacionais anteriores, equipes da CNN na Venezuela não viram outdoors, faixas, murais ou grafites na capital chamando apoio ao regime em postura de guerra, nem mesmo em bairros considerados redutos governistas.

Estratégias diferentes

O presidente venezuelano Nicolás Maduro acena com a bandeira da Venezuela durante uma cerimônia de posse em Caracas, Venezuela, em 15 de novembro • Pedro Mattey/Anadolu via Getty Images
O presidente venezuelano Nicolás Maduro acena com a bandeira da Venezuela durante uma cerimônia de posse em Caracas, Venezuela, em 15 de novembro • Pedro Mattey/Anadolu via Getty Images

Maduro, que antes de agosto era visto com mais frequência em espaços fechados, tem feito discursos e aparições públicas quase diariamente desde que as tensões com os Estados Unidos começaram a crescer.

Muitas vezes, o líder chavista está cercado por um forte esquema de segurança, segundo o pesquisador e jornalista venezuelano Andrés Cañizález.

Maduro não assumiu o papel de projetar a força militar da Venezuela diante das ameaças de Trump.

Em vez disso, tem se apresentado como um pacificador, chegando até a cantar “Imagine”, de John Lennon, em um evento público, pedindo que Trump venha à mesa para um diálogo frente a frente.

Ao caminhar entre a multidão em um comício em 13 de novembro, Maduro disse ao repórter da CNN Stefano Pozzebon que os EUA deveriam se unir à Venezuela pela paz nas Américas.

O especialista acredita que a estratégia de comunicação do governo Maduro passou por diferentes fases: inicialmente, as tensões com os EUA foram minimizadas, mas à medida que a presença militar dos EUA no Caribe aumentou, o discurso mudou “para um tom mais ameaçador, mais retaliatório”.

Herança do velho regime

Ministro do Interior da Venezuela, Diosdado Cabello • 18/07/2025 REUTERS/Leonardo Fernandez Viloria
Ministro do Interior da Venezuela, Diosdado Cabello • 18/07/2025 REUTERS/Leonardo Fernandez Viloria

O contraponto de Maduro na máquina de propaganda da Venezuela é Diosdado Cabello, o ministro do Interior e apresentador de um dos programas mais populares da TV estatal — “Con el Mazo Dando”, em tradução livre, “Golpeando com o Marreta”.

Em um típico episódio de quatro horas, Cabello alterna entre atacar políticos da oposição, contar piadas e promover as posições do governo.

Entre essas posições está a de que as ações dos EUA no Caribe não têm nada a ver com drogas, apesar do que insiste o governo Trump.

“Não há tensões aqui entre Venezuela e Estados Unidos. Aqui há uma agressão dos Estados Unidos contra a Venezuela”, declarou Cabello em seu episódio da semana passada.

“E a agressão não tem nada a ver com drogas, ou terrorismo, ou quadrilhas criminosas, tem a ver com tomar controle dos recursos naturais da Venezuela.”

Em todos os episódios, o ministro do Interior lê críticas ao governo Maduro, geralmente vindas de políticos republicanos nos EUA, e então responde com uma gravação do falecido presidente Hugo Chávez desafiando os Estados Unidos a tentarem invadir a Venezuela.

O cientista político Javier Corrales, que escreve frequentemente sobre política venezuelana, disse à CNN que Cabello há muito cultiva uma reputação agressiva como parte da velha guarda do regime.

“Ele é um valentão”, disse Corrales. “Há um certo aspecto de Cabello que reconhecemos em outras autocracias: a necessidade de ter alguém não apenas elogiando o presidente, mas também atacando a oposição — e Cabello é impressionante nisso.”

Nas últimas semanas, os militares venezuelanos também publicaram numerosos vídeos nas redes sociais mostrando soldados se preparando para a guerra, normalmente com trilhas sonoras dramáticas.

As imagens mostram tropas fazendo exercícios de tiro, fortificações antitanque em Caracas e membros da milícia posando com armas.

Pegando leve com Trump

Ainda assim, em suas diferentes abordagens, Maduro e Cabello compartilham uma característica: a relutância em criticar Trump de forma muito dura.

Ambos têm muito a dizer sobre o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio.

Na narrativa de Cabello, Rubio — a quem o ministro frequentemente chama de “o cubano louco” — está empenhado em levar um relutante Trump a declarar guerra à Venezuela.

“Esse movimento para buscar uma mudança de governo na Venezuela não é nem para satisfazer os interesses de… Trump ou da MAGA, mas sim de Rubio e da máfia cubano-americana”, anunciou Cabello à plateia de seu programa na semana passada.

Corrales explicou que Rubio é um antagonista perfeito para o regime Maduro, sendo talvez o crítico mais proeminente do esquerdismo latino-americano dentro do governo dos EUA.

A herança cubana do secretário e sua origem na Flórida também fornecem munição para Cabello, que frequentemente afirma que Rubio tenta agradar um eleitorado de exilados cubanos anticomunistas em Miami.

Cañizález disse à CNN que, embora Trump possa ser criticado, Rubio é um “inimigo externo” útil para os apoiadores mais leais do regime.

Rubio “é apresentado como o inimigo direto da revolução”, afirmou Cañizález.

“Essa tática busca semear divisões na política doméstica dos EUA e reforçar a ideia de um inimigo externo personalizado, útil para unir a base chavista.”

Mesmo depois que Trump ordenou ataques contra supostos barcos de drogas diretamente na costa venezuelana em setembro, Cabello afirmou em seu programa de 3 de setembro que Rubio está “levando Trump ao matadouro, porque Rubio está tentando fraturar a base MAGA de Trump e… se vender como um novo falcão dentro do Partido Republicano”.

Mesmo que Cabello fale frequentemente sobre preparar-se para todos os cenários, incluindo um possível conflito militar, às vezes ele minimiza as ações anunciadas por Trump contra a Venezuela.

Pouco depois de Trump autorizar publicamente a CIA a conduzir ações secretas no país, Cabello zombou da ideia de que a CIA já teria estado inativa na Venezuela.

“Sim, a CIA foi formalmente autorizada a agir”, disse Cabello sarcasticamente. “Ela nunca atuou aqui antes.”

Aqui reside o dilema para a liderança venezuelana: mobilizar apoio contra inimigos externos enquanto evita o pânico de um país sob cerco. Se o pior acontecer, será que o Super Bigode desembainhará sua espada?

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