Uma pesquisa inédita sobre inteligência artificial no Brasil revela que, embora a maioria dos brasileiros já tenha ouvido falar da tecnologia, poucos realmente entendem seu significado. O estudo, realizado pelo Observatório Fundação Itaú em parceria com o Datafolha, entrevistou 2.798 pessoas acima de 16 anos em todo o país e traça o primeiro panorama amplo sobre o tema no Brasil.
Os dados mostram uma contradição reveladora: 82% dos brasileiros já ouviram falar em inteligência artificial, mas apenas 54% realmente compreendem o que o termo significa. Para Alan Valadares, do Observatório Fundação Itaú, essa lacuna é preocupante, especialmente considerando o ritmo das transformações que estão por vir. “A IA é um movimento que vai mudar muito, e radicalmente, muitas coisas em muito pouco tempo: a estrutura da sociedade, como as coisas se organizam e funcionam”, explica Valadares. Diante dessa transformação acelerada, ele ressalta a urgência de “ampliar a informação da sociedade como um todo sobre inteligência artificial e promover espaços de discussão e difusão do conhecimento sobre a IA”.
A pesquisa revela que as redes sociais são a principal fonte de informação sobre inteligência artificial para 66% dos entrevistados, seguidas por jornais e noticiários, mencionados por 44%. Valadares observa essa tendência com preocupação, lembrando que nas redes sociais “pode ser qualquer coisa que qualquer um coloca lá”. Para ele, isso “reforça muito a importância de disseminar informação confiável sobre a IA para conseguirmos avançar minimamente”.
Apesar da compreensão limitada sobre o conceito, três quartos dos brasileiros percebem a presença da inteligência artificial em suas vidas diárias. Para 32% dos entrevistados, ela está “muito presente” no cotidiano. O uso prático da tecnologia já alcança impressionantes 93% da população, especialmente através de redes sociais, que são utilizadas por 89% dos usuários de IA.
Os sistemas de recomendação de filmes e músicas aparecem em segundo lugar, com 78% de utilização, seguidos pelos sistemas de navegação, usados por 63% dos entrevistados. Já as ferramentas de inteligência artificial generativa para criar textos, imagens ou vídeos ainda têm adoção menor, sendo utilizadas por 43% e 31% dos brasileiros, respectivamente.
A pesquisa também mostrou que metade dos entrevistados já incorporou a IA em atividades de trabalho, outros 50% a utilizam para entretenimento no tempo livre, e 47% recorrem à tecnologia para estudar.
Otimismo na educação
A área educacional desperta particular otimismo em relação à inteligência artificial. Impressionantes 90% dos entrevistados concordam que todos os estudantes deveriam aprender a interagir com essas tecnologias de forma consciente e responsável. Além disso, 87% defendem que os professores deveriam receber formação adequada para integrar a IA ao processo de ensino.
Entre aqueles que já utilizam inteligência artificial para estudar, os resultados são animadores: 69% afirmam que ela “ajuda muito” em suas atividades educacionais, e 75% relatam ter aprendido algo novo com a ferramenta. No entanto, a relação com a tecnologia permanece cautelosa. A confiança nos resultados é moderada, com 56% dos usuários afirmando confiar “um pouco” nas informações fornecidas pela IA, e a mesma porcentagem sempre verificando os resultados obtidos.
Valadares enfatiza a importância dessa postura crítica, explicando que “não é só um contato com a inteligência artificial para usar o ChatGPT numa atividade de sala de aula, mas estimular e reforçar a importância do uso crítico e responsável dessas ferramentas, porque é isso que vai ser um diferencial de aprendizagem”. Ele reforça um ponto crucial: “a inteligência artificial alucina, ela erra”, destacando a necessidade constante de verificação humana dos resultados.
Principais medos
Apesar do crescente uso, a pesquisa também mapeou receios significativos da população brasileira em relação à inteligência artificial. A principal preocupação, citada por 42% dos entrevistados, é a coleta e uso de dados pessoais sem controle adequado. Em seguida, aparecem os temores sobre a utilização da tecnologia para fins maliciosos, manipulação ou vigilância, mencionados por 36% dos participantes, e a substituição de trabalhadores causando desemprego em massa, preocupação de 34% dos brasileiros.
Valadares considera o receio sobre o uso indevido de dados pessoais como “uma preocupação super legítima”, observando que as discussões sobre direitos de uso de dados e propriedade intelectual são debates globais. Quanto ao impacto no mercado de trabalho, ele reconhece que a percepção de perda de emprego representa “um medo real da sociedade brasileira”, refletindo ansiedades legítimas sobre as transformações econômicas que a tecnologia pode provocar.
Alerta em saúde mental
Um aspecto que chamou particular atenção no estudo foi o uso da inteligência artificial para questões de saúde mental. Cerca de 45% dos brasileiros já utilizaram a IA de alguma forma para auxiliar em questões emocionais, seja para aliviar ansiedade e estresse (27%), obter conselhos pessoais (26%) ou simplesmente conversar sobre sentimentos (21%). Entre esses usuários, 58% sentiram que a tecnologia realmente os ajudou, enquanto 42% afirmaram que não perceberam benefícios.
Sobre esse uso específico, Valadares emite um alerta importante: “A gente pode até ter algum processo que seja intermediado por inteligência artificial, mas jamais em substituição a uma pessoa, um profissional que lida com questão de saúde mental”. Para ele, esse é um ponto que merece atenção especial, uma “bandeira amarela” no uso da tecnologia.
Potencial inexplorado
Quando questionados sobre os ganhos que a inteligência artificial pode trazer para a sociedade, os brasileiros identificam principalmente o apoio para o avanço da ciência e inovação, bem como a melhoria da qualidade da educação, ambos mencionados por 41% dos entrevistados. Os avanços em diagnósticos médicos e tratamentos personalizados também são reconhecidos como benefícios importantes, citados por 39% dos participantes.
Alan Valadares observa que, embora exista um consenso sobre a importância da IA para ciência, tecnologia e educação, grande parte da população ainda desconhece outros benefícios potenciais. “As pessoas ainda não conhecem amplamente outras aplicações, como a questão da inclusão social, o próprio ganho pessoal, de conforto ou de tratamento de saúde humana”, pontua o especialista.
Para ele, essa limitação no conhecimento reforça a necessidade de maior divulgação. “É importante esse esforço de difusão, de sensibilização para que o brasileiro saiba melhor quais são as aplicações, quais os ganhos, os possíveis ganhos para a vida pessoal e para a sociedade de maneira geral”, conclui.
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