Enquanto o mundo corporativo debate o impacto da Inteligência Artificial (IA) nos empregos, uma pesquisa recente revela um dado importante: os trabalhadores brasileiros demonstram o menor receio de perder suas posições para a tecnologia. Apenas 27% dos profissionais no Brasil acreditam que seus empregos desaparecerão nos próximos dez anos devido à IA, um contraste significativo com a média global de 41%. Este otimismo é ainda mais surpreendente considerando que o país apresenta uma das maiores taxas de adoção de IA globalmente, com 76% de uso regular.
O estudo AI at Work: Momentum Builds, but Gaps Remain (IA no trabalho: o impulso aumenta, mas ainda há lacunas) aponta para um paradoxo brasileiro: a baixa preocupação, apesar da alta adoção, pode ser atribuída a fatores-chave. Primeiramente, a democratização da Inteligência Artificial Generativa (GenAI), impulsionada por ferramentas como o ChatGPT no final de 2022 e início de 2023, tornou a IA acessível a todos, independentemente do conhecimento técnico.
O mercado brasileiro, caracterizado por seu espírito empreendedor e alta penetração digital, enxergou na tecnologia uma forma de suprir necessidades de informação e pesquisa, resultando em maior eficiência e produtividade. “Isso foi facilitado pelo fato de que empresas como Google e Microsoft incorporaram a tecnologia em suas ferramentas de trabalho tradicionais (PowerPoint, e-mail, etc.), empurrando as empresas para essa adoção”, explica Alexandre Montoro, diretor executivo e sócio do Boston Consulting Group (BCG), responsável pelo estudo.

Desconhecimento sobre impacto
Outra hipótese fundamental para o baixo nível de preocupação reside no desconhecimento sobre o real impacto da GenAI nas funções de trabalho. Isso ocorre porque a tecnologia ainda não foi amplamente adotada nas organizações, especialmente em empresas de médio e pequeno porte. Consequentemente, não gerou uma disrupção tangível no cotidiano da maioria dos profissionais. “A utilização da tecnologia no cotidiano, à medida que se populariza, aumenta a confiança e diminui as preocupações, fazendo com que os brasileiros se sintam mais seguros de que seus empregos não serão substituídos pela IA”, observa o especialista.
A elevada adoção da IA no Brasil também sugere que seu uso está mais ligado à iniciativa individual dos funcionários do que a uma diretriz corporativa. Os profissionais brasileiros estão incorporando a IA por conta própria, motivados pela curiosidade, pela busca por eficiência pessoal ou pela necessidade de se manterem competitivos. Para Montoro, “para que o uso seja responsável, as organizações devem investir em programas de treinamento estruturados, com políticas de utilização, além de trabalhar na gestão da mudança, que envolve o redesenho dos processos e transformação da cultura da empresa”.
No entanto, o otimismo mascara lacunas importantes. O estudo revela que apenas 36% dos funcionários brasileiros se sentem adequadamente treinados no uso da IA. Além disso, 54% dos entrevistados estariam dispostos a utilizar ferramentas de IA não autorizadas pela empresa, um fenômeno conhecido como “Shadow AI”, que acarreta riscos significativos de segurança e conformidade. A liderança também desempenha um papel crucial, pois apenas 25% dos trabalhadores da linha de frente afirmam que seus gerentes fornecem orientação suficiente sobre IA.
Brasil se destaca
Ainda assim, o Brasil se destaca positivamente na integração de agentes de IA em fluxos de trabalho, com 18% das empresas já adotando essa prática, superando a média global de 13%. Apesar dessa liderança, preocupações com decisões sem supervisão humana (46%) e viés (32%) são relevantes. “Nesse contexto, torna-se essencial manter o ser humano no centro do processo (‘human in the loop’), garantindo que decisões críticas sejam revistas, ajustadas e corrigidas de forma ágil quando necessário”, afirma Montoro.
O tempo economizado com a IA, que para quase metade dos usuários ultrapassa uma hora por dia, não está sendo totalmente aproveitado. Apenas um terço recebe orientação sobre como realocar esse tempo para atividades de maior valor agregado, como o trabalho estratégico. “As empresas devem desenvolver programas claros de orientação e capacitação para que o tempo economizado seja investido de forma intencional, maximizando tanto a produtividade quanto a satisfação da força de trabalho”, adverte Montoro.
Embora o otimismo seja uma característica marcante dos trabalhadores brasileiros diante da IA, é fundamental que as organizações invistam em treinamento estruturado, políticas de uso responsável e gestão da mudança para garantir que a alta adoção se traduza em valor sustentável e seguro, e que o impacto da IA seja compreendido e gerenciado proativamente.
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